
A prática celebrativa da Igreja nascente manifestava que
essa ética constituía o específico do cristianismo: “viviam unidos e tinham
tudo em comum” (At 2,43). Liturgia e vida correspondiam, assim, a uma realidade
intrínseca: aquilo que se celebrava no partir do pão correspondia ao exercício
cotidiano dos seguidores e seguidoras do Ressuscitado. Ao passo que o
cristianismo vai, cada vez mais, instituindo-se como religião, ele vai perdendo
essa importante dimensão das origens, num processo de descaracterização de seu
específico.
Atualmente, é próprio das religiosidades pós-modernas um
acento subjetivista no culto e na maneira de viver a fé. As igrejas católicas e
evangélicas cedem ao interesse emocional de seus fiéis, o que torna a ética uma
realidade cada vez mais distante do testemunho de fé dos membros dessas
igrejas. O individualismo tomou conta dos espaços de manifestação da fé:
pessoas encontram-se semanalmente para as celebrações, mas sequer conhecem umas
às outras, não se criam laços de pertença comunitária e de partilha de vida. A
tendência, sempre maior, é de busca de refrigério para os males psíquicos e
emocionais: importa, nesse caso, uma religiosidade com efeitos psicossomáticos.
Não sem motivos, as missas de cura e libertação arrebanham uma massa sem fim de
fiéis, que, se repararmos, nunca está devidamente curada e liberta.
Uma religiosidade que se diga cristã, vivida desse modo,
nada tem dos valores fundamentais do cristianismo das origens. Essa é uma
religiosidade apolítica, pois não nutre a convivência e a solidariedade entre
os convivas que se reúnem ao redor da mesma mesa. Essa é uma assembleia que se
esquece que o Reino é para todos, com sério comprometimento ético, e que por
isso Jesus nos ensina a rezar Pai-nosso, insistindo em cantar “meu Pai,
meu Pai, meu Pai do céu”, com os olhos vertendo lágrimas e o coração anestesiado.
Sem o comprometimento ético com aqueles que fazem coro à nossa voz e professam
a mesma fé, a ética que devemos viver no cotidiano, em atenção a todos e todas,
não é possível. Isso porque uma religião que se pretenda cristã, que não gere
imperativos éticos, na realização da verdadeira Política, não passa de magia:
os fiéis, clientes buscando experiências pessoais de satisfação; os líderes
religiosos, magos que ofertam um serviço, ao gosto dos clientes. Mas não nos
enganemos: “comungar é tornar-se um perigo”, já cantava a velha canção.
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