Por que se consagrar a Maria? Não seria melhor ir
diretamente a Jesus? Ora, quem se dá conta de nossa triste condição de
pecadores bem sabe que, embora o queiramos muito, entregar-se a Deus com plena
confiança é um trabalho que em muito supera nossas forças.
É por isso que ele quis dar-nos Maria, para que ela,
recebendo-nos como pequena oferenda, nos apresente a Cristo, purificados e
embelezados pelas mãos virginais de uma Mãe Imaculada.
Depois de tudo quanto vimos até agora, parece não haver
motivos de peso para não se consagrar à Virgem Santíssima. Ao lhe entregarmos
tudo, nós nada perdemos, senão que muito lucramos, despojados de nossos bens,
vivendo só por ela, com ela e nela. Ainda assim, vale a pena repassar as
principais razões elencadas por São Luís Maria Grignion de Montfort em
seu Tratado que nos recomendam vivamente essa devoção. Vejamos, de
modo bastante resumido, o que São Luís nos diz a esse respeito.
A consagração plena a Nossa Senhora, diz ele, nos põe
inteiramente ao serviço de Deus e constitui um meio admirável de sermos fiéis e
perseverantes na virtude. Com efeito, todos os que temos a graça de crer
desejamos ser de Jesus Cristo. No entanto, por causa de nossa debilidade e
inconstância, muitas vezes descumprimos nossos propósitos e, cedendo pouco a
pouco a nossas paixões e maus desejos, voltamos à mesma vida de pecado que
tínhamos antes da conversão. De manhã nos oferecemos a Deus, e à noite já nos
pedimos de volta. Falta-nos, pois, aquela liberdade interior, aquela firme
resolução de tudo entregar a Deus.
Mas por que, poderíamos perguntar, Maria é um caminho tão
eficaz, um instrumento tão útil para superarmos tais obstáculos? Aqui é preciso
lembrar que, ao pecarem, Adão e Eva, criados amigos e familiares de Deus,
passaram a vê-lo como um inimigo, uma figura temível e agressiva. Foi por isso
que, ao lhe ouvirem os passos no jardim do Éden, à hora da brisa da tarde,
nossos primeiros pais se esconderam de sua face, no meio das árvores do jardim
(cf. Gn 3, 8). Enganados pela antiga serpente, compraram a mentira de
que o Senhor, na verdade, era um “embusteiro”, que bem sabia que, no dia em que
comessem do fruto proibido, seus olhos se abririam e eles seriam como deuses
(cf. Gn 3, 5).
Manchados pelo pecado original, também nós herdamos esta
disposição a olhar para Deus como um inimigo, um “mentiroso” indigno de nossa
fé e confiança. Ora, a solução que o próprio Senhor encontrou para esta triste
queda foi pôr ódios e inimizades entre a mulher e a serpente, entre a
descendência desta e a daquela (cf. Gn 3, 15). Por ser Mãe e ter um
Coração terníssimo, Maria, prefigurada pela antiga Eva, faz cair todas as
resistências; ela nos atrai para o amor e para o serviço, ajuda-nos a entregar
de coração todo o nosso ser a Deus. Quem recearia entregar a uma Mãe tão boa,
cheia de misericórdia e doçura, todos os seus bens, familiares, saúde,
dinheiro, boa fama etc.? Acaso não nos é mais fácil conseguir o que queremos ou
precisamos de nosso pai se primeiro recorremos à nossa mãe? Se é assim na ordem
natural, por que haveria de ser diferente na ordem da graça e das necessidades
do espírito? Se temos medo de dar tudo a Deus, entreguemo-nos primeiro a Maria,
que, sendo a mais humildes das servas, há de entregar-nos a Jesus. Ela, escreve
o santo de Montfort,
[...] nada retém para si do que lhe ofertamos. Tudo remete
fielmente a Jesus. Se algo lhe damos a ela, damos necessariamente a
Jesus. [...] Quando apresentamos alguma coisa a Jesus, de nossa própria iniciativa
e apoiados em nossa capacidade e disposição, Jesus examina o presente, e muitas
vezes o rejeita em vista das manchas que a dádiva contraiu do nosso
amor-próprio, como antigamente rejeitou os sacrifícios dos judeus por estarem
cheios de vontade próprias. Quando, porém, lhe apresentamos algo pelas mãos
puras e virginais de sua bem-amada, tomamo-lo pelo seu lado fraco [...]. Ele
não considera tanto a oferta que lhe fazemos como sua boa Mãe que lha
apresenta; não olha tanto a procedência do presente como a portadora [1].
Ao contrário de Eva, que viu o fruto proibido e o tomou para
proveito próprio, Maria olha para o fruto bendito de seu ventre e não o guarda
para si; antes, entrega-o ao Pai com generosidade e desprendimento. Com quanta
razão, portanto, nos devemos dar por inteiro a Nossa Senhora! Ela olhará para o
fruto pobre e bichado de nossas obras, de todo o nosso ser, e o remeterá,
purificado e embelezado, ao seu querido Filho. Consagrar-se inteiramente a
Maria é ser conduzido por ela, do modo mais fácil, curto, perfeito e seguro, a
uma união mais íntima e profunda com Nosso Senhor [2].
Referências
São Luís M.ª G. de Montfort, Tratado da Verdadeira
Devoção à Santíssima Virgem. 39.ª ed., Petrópolis: Vozes, 2009, pp. 142-143, n.
147.
Cf. Id., p. 145, n. 152
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