“Nada é árduo aos que têm por fim somente a honra de Deus e
a salvação das almas”
De outros muitos poderia contar, máxime escravos, dos quais
uns morrem batizados de pouco, outros já há dias que o foram; acabando sua
confissão vão para o Senhor. Pelo que, quase sem cessar, andamos visitando
várias povoações, assim de Índios como de Portugueses, sem fazer caso das
calmas, chuvas ou grandes enchentes de rios,e muitas vezes de noite por bosques
mui escuros a socorrermos aos enfermos, não sem grande trabalho, assim pela
aspereza dos caminhos, como pela incomodidade do tempo, máxime sendo tantas
estas povoações e tão longe umas das outras, que não somos bastantes a acudir
tão várias necessidades, como ocorrem, nem mesmo que fôramos muito mais, não
poderíamos bastar. Ajunta-se a isto, que nós outros que socorremos as
necessidades dos outros, muitas vezes estamos mal dispostos e, fatigados de
dores, desfalecemos no caminho, de maneira que apenas o podemos acabar; assim
que não menos parecem ter necessidade de ajuda os médicos que os mesmos
enfermos. Mas nada é árduo aos que têm por fim somente a honra de Deus e a
salvação das almas, pelas quais não duvidarão dar a vida. Muitas vezes nos
levantamos do sono, ora para os enfermos, ora para os que morrem.
Hei me detido em contar os que morrem, porque aquele se há
de julgar verdadeiro fruto que permanece até o fim; porque dos vivos não
ousarei contar nada, por ser tanta a inconstância em muitos, que não se pode
nem se deve prometer deles coisa que haja muito de durar. Mas
bem-aventurados aqueles que morrem no Senhor (Ap 14,13), os quais livres
das perigosas águas deste mudável mar, abraçada a fé e os mandamentos do
Senhor, são transladados à vida, soltos das prisões da morte, e assim os
bem-aventurados êxitos destes nos dão tanta consolação, que pode mitigar a dor
que recebemos da malícia dos vivos. E contudo trabalhamos com muita diligência
em a sua doutrina, os admoestamos em públicas predicações e particulares
práticas, que perseverem no que têm aprendido. Confessam-se e comungam muitos
cada domingo; vêm também de outros lugares onde estão dispersados a ouvir as
Missas e confessar-se.
Das Cartas de São
José de Anchieta ao Prepósito-Geral Diego Láyñez
(Carta de 1º de
junho de 1560; cf. Serafim da Silva Leite SJ, Cartas dos primeiros jesuítas do
Brasil, vol. 3 (1558- 1563),São Paulo 1954, p.253-255)
(Séc.XVI)
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